Saturday, November 23, 2013

Os 4 estágios da vida

Nessa sequência de postagens introdutórias sobre temas védicos, faltou-nos abordar os chamados "ashramas" que são os estágios da vida segundo os "dharma shastras". No Ocidente poderíamos dizer que esses 4 estágios existem de alguma forma, e de fato eles representam não uma idiossincrasia cultural mas uma profunda intuição sobre as possibilidades de realização da vida humana. 

O ideal, segundo as injunções tradicionais, seria que a criança ficasse livre até os 5 anos de idade na casa dos pais, quando então ela seria colocada sob a instrução de um guru e até os 24 anos de idade haveria a instrução sobre os Vedas, as diversas ciências, os shastras e a disciplina moral, nesse período há abstinência sexual completa. Essa fase ou estágio é o que se conhece como brahmacharya. Veja que nem sempre a situação ocorre no período adequado e dentro dos prazos estabelecidos: isso pode ser mais ou menos flexível, e há ademais sub-períodos, e períodos de transição; o que se deve reter em mente é que o período de "estudante" assim como as outras duas fases são "instituições" védicas, há iniciações específicas de cunho social para a fase de estudante e pai de família. Observamos ainda que durante o estágio de brahmacharya toda a ênfase é no dharma.

Após o período de brahmacharya, e do período de transição, o indivíduo entra no chamado período de "grihasta" ou de constituir família. Durante o período de transição que vai dos 20 aos 29 anos, a busca dos meios materiais de subsistência vai ser empreendida (artha) e dos 29 aos 59 anos a busca dos prazeres sensuais (kama) será também incluída no escopo de atividades e metas do indíviduo.

Observamos que em nenhuma das fases, com exceção da fase infantil que vai até os 12 anos, a libertação espiritual (moksha) está descartada. Lembramos também que há indivíduos excepcionais que pulam etapas, ou que tendem a buscar somente a libertação espiritual, mas dentro de uma contexto social as exceções não precisam ser explicadas. Assim como no período de estudante, o período familiar ou social é marcado por uma iniciação para caracterizar que o indivíduo está nesse estágio, e outros ritos iniciáticos relativos aos diversos tipos de matrimônio prescritos nos dharma shastras.

Concluído o segundo estágio, e tendo cumprindo os ritos sociais, adentra-se na fase de "vanaprastha", que seria algo como vida intelectual, onde o indivíduo abandona a busca ou exercício de artha e kama, e se dedica ao dharma e moksha. Nesse período há a preparação gradual para a morte ou para o período seguinte. Note-se que vanaprastha ainda é um estágio de vida dentro do escopo da vida social, e pode ser organizado em ordens monásticas, o que permite a circulação do conhecimento adquirido em vida, e é uma instituição fundamental para a saúde social.

Por fim, temos o chamado "sanyasa" que não é exatamente um estágio social, e não é uma instituição tampouco. O sannyasa é uma conexão entre o indivíduo e o aspecto espiritual, de maneira que  ele não é atado por prescrições a serem cumpridas. O sanyasa não está necessariamente ligado tampouco a uma determinada ordem, ele pode se tornar um mendicante solitário, eremita, ou avadhuta. É digno de nota que o famoso Shankaracharya, por exemplo, não passou pelo período intermediário de grihasta, tendo inclinação espiritual desde criança, dedicou-se exclusivamente ao dharma e moksha, e não é incomum que isso aconteça. Concretamente os dois estágios finais não são compulsórios e é mais comum os casos em eles não sejam cumpridos do que os casos em que a instituição familiar seja deixada de lado. Ademais, esses 4 estágios são ideais, e na vida concreta há relativa flexibilidade disso, de maneira que trata-se de um pilar da sociedade e um modelo a ser seguido.

 Se a divisão entre a vida do homem social e o homem solitário de fato despertou debates acalorados no que diz respeito à possibilidade de obtenção de moksha, debates naturais em quaisquer agrupamentos que acabam se tornando politicamente existentes na vida concreta (Os xátrias sempre tiveram mais disposição para levarem o modo de vida de grihasta, ao passo que brâmanes, o de vanaprastha), as escrituras dizem que o indivíduo pai de família tem perfeita possibilidade de obter o moksha;  alguns puranas como o Devi Bhagavata, chegam a encontrarem inclusive mais vantagens espirituais na vida do pai de família. E dentre os tantristas, existem métodos espirituais específicos para esse modo de vida, através dos quais o cumprimento simultaneo das 4 metas de vida, sem a negação de alguma delas, é enfatizado.

Alguns notarão que tratei especificamente do papel masculino na sociedade védica. Em uma postagem futura eu vou escrever especificamente sobre as mulheres e sua posição na sociedade védica e no tantra especialmente.